só é possível recomeçar porque tem história e memória andando junto comigo, e eu sou imensamente grata por cada pessoa que esteve comigo construindo essas narrativas. hoje, sinto meu coração acalentado por ter abraçado minha urgente necessidade de mudança e de recolocar os móveis do lugar. de fazer tudo de novo. eu recomeçaria outras várias vezes, se sentisse a necessidade. acho que não mudar me dá mais medo do que a mudança.
diante da sua proximidade cada vez mais íntima com a fotografia, Nath comenta que o autorretrato surgiu de forma mais urgente durante a quarentena, tempo que ela passou a ser objeto e instrumento da sua fotografia proporcionando uma experiência completamente diferente das outras, e ao mesmo tempo que transita sobre a mesma coisa: a afetividade com a imagem, com ela mesma e com a poesia que foi brotando desse contato.
nessa quarentena também ficou bem marcado pra mim algo de um início de experiências audiovisuais de forma mais marcante, porque encontrei pequenos trechos de vídeos que eu tinha guardado, e até então não havia usado. quase como se fosse uma redescoberta das memórias que guardei [...] misturar palavra, escrita e fotografia foi algo que começou e que demarca muito pra mim um processo de tentar elaborar algo do sentimento de quarentena mesmo. não apenas isso, mas principalmente sobre esse momento tão sem-palavra que a gente vive
sobre o processo de se encontrar nas palavras, a partilha da Nathalia foi tão afetuosa e forte que achei injusto adaptar qualquer palavra que fosse. então, cá estão as suas palavras e sentimentos sobre a escrita.
"eu escrevo como se fosse a única coisa possível de ser feita. e quando digo isso é porque relembro e cultivo minha relação com a escrita desde muito tempo, seja em cadernos, diários, ou nas bordinhas dos livros que leio. guardo todos os meus cadernos, bloquinhos de nota, anotações em folhas soltas. a escrita me aparece como um subterfúgio para sentir.
tem me aparecido assim desde que me lembro de ter começado a me relacionar com ela. e desde então, nunca parou. tenho pausas, momentos de silêncio. momentos que não consigo escrever, que sinto que não consigo dizer. e às vezes escrevo sobre isso, também. tento escrever sobre o não-dito. sinto como tem algo inesgotável na escrita porque a palavra não consegue dizer tudo. é um sentimento que às vezes me movimenta a escrever mais, e às vezes me provoca. por fim: me devora.
a escrita me aparece sempre de forma súbita: eu nunca me programo, não me sento à cadeira pensando em escrever. ela vem. chega. ocupa os espaços. sinto uma súbita e incontrolável vontade de escrever que é como se respirasse pelos dedos, ou como se nos meus pulmões tivesse todas as palavras e coisas que já quis escrever. talvez pela sensação súbita com que a escrita me invade, que eu me sinta, de certa forma, vulnerável: meus cantos todos abertos. metáforas que talvez nem eu saiba o que significam. sensações e memórias de uma vida todas entrelaçadas em cadeias de palavras. é um mundo envolvido em palavras, sabe?
no meio de tanto verbo, de palavra-palavra, de aliterações possíveis, de metáforas amassadas por entre os cantos: mas tem algo nesse jogo que me habita, talvez. e que desabita/des-habita (às vezes o corretor ortográfico invalida meus neologismos) também. penso também como a fotografia tem sido, ultimamente, uma forma potente de escrita, que ultrapassa a palavra. ou que exatamente por não ter palavra alguma, desafia algo visível/invisível".
quando li o verso “arte que desloca as dores para outros lugares” me senti cheia de sentimentos que me habitam. a partir daí quis muito conversar com a Nathalia. foi por cada palavra forte, por cada poema que habita alguma história, por cada palavra atravessar sentimentos de verdade. esses momentos de puro encontro me fizeram pensar no que ela sentia ao criar e a reposta foi
eu sinto como se estivesse voltando de um mergulho: algo perto daqueles momentos em que a gente respira com espanto e com alegria de sentir o ar. ou com alívio da pele molhada voltando à superfície. mais anda: é aproveitar a sensação que dura de estar imersa em algo e quase distante do mundo. é jogar-se de corpo e alma aberta em algo azul e sem nome
ainda completou que quando está imersa em seus processos criativos sente o deslocamento de várias coisas ao mesmo tempo, como um respiro longo; um suspiro breve. não como um afogamento, mas um mergulho pela ideia de sempre voltar à superfície. lendo toda essa prosa parece que todo esse mergulho envolve a tristeza por escrever sobre esses sentimentos, mas Nathalia diz que não acha que escrever seja triste - por mais que o texto ou a fotografia possa parecer. "acho que me sinto mais triste quando não consigo dizer nada. quando não consigo escrever. quando não encontro palavra. eu sinto que mesmo que saiam palavras que por vezes são lidas como tristes, para mim não são, sabe? a escrita acaba assumindo esse lugar de deslocamento de alguma forma que não se ocupa de tristeza ali naquele momento de criação. é algo meio catártico, talvez", comenta.
no meu olhar pessoal, e concordando com palavras da Nath, entendo também que o encanto mora nas diversas interpretações e possibilidades de admirar uma imagem, uma estrofe, uma criação.
"não acho que seja necessário ter intenção ou compromisso com uma fala linear, em cadeia, que faça sentido. pelo contrário. eu gosto dos enigmas que as coisas criam. nos nós e nas coisas que não entendo. e uma das coisas que mais gosto de quando eu estou criando é exatamente isso: não entender. porque à medida que tenho a oportunidade de olhar, ler ou ver novamente aquele trabalho, pode se tornar uma outra coisa. me provoca muito mais quando não entendo", traz.
"a sensação de alcançar outras pessoas, outros espaços e outras vidas é muito especial e particular pra mim, e até antes de iniciar esse processo de compartilhar escritos, fotografias e autorretratos eu não tinha (e nem tenho) a dimensão de até onde a arte pode chegar. alcança lugares tão particulares e desconhecidos. toca as pessoas de formas tão diferentes. em pontos tão únicos. penso sobre como colocar criações artísticas no mundo, principalmente no mundo que a gente vive hoje, seja o mais próximo possível do toque. e eu sou encantada pela ideia de tocar de forma não física", afirma.
ainda sobre arte, Nathalia diz que enxerga e sente tudo como "uma forma de ser, uma forma de toque que ultrapassa essa barreira do palpável e do sentido. do físico e do dizível. como se não ter palavras fosse presentificar alguma coisa que falta, que não se preenche".
Adorei conhecer os escritos e fotos da Nathalia. É profundo e cheio de sentimento. Uma arte necessária nos tempos atuais. Obrigada por compartilhar, Lary!
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