o coração de Isabel Allende em "Paula"

hoje eu quis retomar algumas memórias. elas caminham pela UFAL, na época em que eu passava pelos corredores de obras literárias estrangeiras da biblioteca. normalmente eu estava com Hyago e Amanda, grandes amigos meus. a sensação era tão boa, tão valiosa. foi lá que encontrei um livro específico. ele era médio, de capa marrom, folhas amareladas cujo título se chamava Paula. lembro bem que quando os meus dedos folhearam as duas primeiras páginas, li versos que diziam assim:


 em dezembro de 1991, minha filha Paula adoeceu gravemente e, pouco depois, entrou em coma. estas páginas foram escritas durante horas intermináveis nos corredores de um hospital de Madrid...

a partir daí eu sabia que não seria um livro fácil de ser lido. iria exigir da minha leitura um pouco de calma e bastante alma. a obra em específico é da chilena Isabel Allende percorre as memórias íntimas da vida que a autora viveu. isso faz da sua escrita um ponto claro de salvação de si para si. e diretamente nos ensina a entender como podemos ser fortes também.


Paula foi acometida com porfiria que constitui, como destaca a jornalista Mari Kalil em seu post sobre o mesmo livro, um grupo de pelo menos oito doenças, herdadas e adquiridas, que ocorrem em decorrência da produção excessiva e do acúmulo de substâncias químicas que produzem porfirina – proteína responsável pelo transporte de oxigênio na corrente sanguínea, essencial para a produção de hemoglobina. assim como a Mari comentou em seu texto, eu também não conhecia a porfiria, até Isabel comentar em detalhes sobre como isso atingiu a sua menina.

"há vários anos, sabendo que herdara essa predisposição, você se cuidava muito e se tratava com um dos poucos especialistas da Espanha. ao vê-la sem forças, seu marido levou-a para um atendimento de emergência [...] a partir desse momento, a vida parou para você e para mim também, nós duas atravessamos o misterioso umbral e entramos na zona mais escura"

esse momento me fez entender que a leitura iria se estender ao coração de quem escreveu as páginas. e, bem, a minha análise do livro irá permear em como o sentimento maternal de Isabel está eternizado. em como isso chamou a minha atenção; em como a escrita é um ponto importante de salvação para nós em momentos tão duros, como a escritora tanto defende em suas criações. portanto, se você ainda não leu o livro e queira lê-lo, espero que não se importe com os trechos que irei destacar. apesar de que, ao meu ver, isso irá completar o seu coração numa possível leitura; e essa troca nossa se torna ainda mais valiosa, não acha? dessa maneira, tudo isso que escrevo busca, mais do que tudo, destacar trechos dessa valiosa obra. expôr em como poeticamente o sentimento da escritora foi sendo representado. 


"quando você despertar, teremos meses, anos talvez, para colar os pedaços quebrados do seu passado, ou, melhor ainda, poderemos inventar lembranças sob medida, segundo as suas fantasias; por ora, falarei de mim e dos membros desta família à qual ambas pertencemos, mas não me peça exatidão porque vou cometer erros, muita coisa eu esqueço ou se distorce, não guardo lugares, datas nem nomes; em compensação nunca deixo escapar uma boa história"

"faz um mês que está adormecida, não sei como chegar até você, chamo-a e chamo-a, mas seu nome se perde na voragem do hospital. estou com a alma sufocada de areia, a tristeza é um deserto estéril. não sei rezar, não consigo juntar duas ideias [...]"

"na imensidão do cosmo e no curso da história, somos insignificantes, depois de nossa morte tudo continua igual, como se nunca tivéssemos existido, mas na medida de nossa precária humanidade, Paula, você é mais importante para mim do que minha própria vida e a soma de todas as outras vidas"

"esta dor reprimida está me sufocando, saio para o terraço e o ar não chega para tantos soluços nem a chuva pode bastar para tantas lágrimas [...]"

me digam, como é que se lê um livro desses sem o coração apertar um pouquinho? não consigo imaginar como deve ser parir, cuidar, amar desse jeito. Isabel nos mostra um sentimento que transcende, uma dor resultante de algo cruél. apesar de tudo isso, não julgo e não julguei os escritos de Isabel com um olhar penoso e triste, mas como fortes demais para os meus olhos. fortes porque todas as vezes que a leio entendo que ela não só quer demonstrar amor à Paula, mas também à sua própria história e aos seus. isso é tão verdade que ao ler eu me imaginei pequena, morando num cômodo na casa da minha avó. me imaginei correndo, aos dois anos, para os braços de mainha após um longo dia de trabalho que ela teve; eu retomo as minhas memórias. as cartas que Isabel nos deixa são especiais sem medidas, tornando esse livro o meu favorito da vida inteira. 

4 comentários

  1. Maravilhoso, Lary! Amei o post. Sempre muito bom ver como a história de Paula te toca ❤

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    1. tão bom saber que tu gostou <3 você tem parte valiosa nesse meu processo com essa leitura. te amo e saudade.

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  2. Que post lindo, Lari! Fiquei querendo ler essas cartas. A sua fotografia tbm nos transporta pra um clima que não sei explicar, mas que dá vontade de ficar. ❤️

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    1. comentário lindo <3 torcendo para que um dia você consiga ler as palavras de Isabel, viu?!

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laryssa andrade